20.7.06

HINO, CONTOS E OUTRAS HISTÓRIAS

ESTE CAPÍTULO PRETENDE CONTER VERSOS, PIADAS, CONTOS, HISTÓRIAS, DESENHOS, ETC., RELACIONADOS COM A VIDA MILITAR DOS QUE PERTENCERAM À NOSSA COMPANHIA

DO “1ºCABO” QUARESMA

O HINO DA COMPANHIA

I
Aqui vai a Companhia Independente
Ensinada e mobilizada no dezassete
Disposta p’ra tudo o que tiver na frente
E com o número vinte e seis setenta e sete.

II
Vamos todos de alma e coração
Como nos já foi ensinado na escola
A defender cada um sua Nação
E a nossa é a província de Angola.

Coro 
Vitória será p’ra nós
Com a vontade e com o esforço de todos nós
Vitória é um dever
Em que a nossa Companhia tem que vencer
E assim todos com vontade
Temos esperança de alcançar sua glória
Para que no fim a mocidade
Possa dizer que com esforço cantou vitória.

III
A vitória será nossa bem o digo
Embora alguns nos põem defeitos
Mas para um português nunca há perigo
Antes morrer livres do que em paz sujeitos.

IV
Temos fé que a madrinha de Portugal
Nos vai acompanhar e livrar do perigo
E nos levar à nossa Terra Natal
Todos no fim com nosso dever cumprido.
MARCHA DA 2677, ANIVERSÁRIO DA COMPANHIA
“Com música Santa Luzia”

I
Vinte seis setenta e sete
É a nossa Companhia
Com ela ninguém se mete
Nem de noite nem de dia

II
Um ano de Comissão
P’ra nós já está passado
Boa noite aos que cá estão
Vamos cantar um bocado

Refrão
Doze meses estão queimados
Mais doze há que queimar
Com atenção e cuidado
Tudo se há-de passar

III
Cinco meses em Luquembo
Mais sete em Sautar
A vinte e seis de Setembro
Tivemos que rastejar

IV
Desta não foi brincadeira
Mas é para recordar
Foi a seguir à bandeira
Quando estávamos a jantar

V
Muito temos trabalhado
Neste ano que passou
Até a roupa e o calçado
De velho já se acabou

VI
Por cá ninguém tem razão
Nem quero fazer apostas
O pior é a ração
Que, acartamos às costas

07/03/1971 - Quaresma
DO “1º CABO” ANTÓNIO MANUEL DA SILVA(Açores)
MISSÃO CUMPRIDA

23 jovens regressam da “frente” angolana

À entrada da doca o “Espírito Santo” cumprimentou a terra.
Alcandorados sobre a estrutura do esbelto iate muitos vultos como que a admirar a paisagem que de seus olhos jamais saíra nestes muito prolongados meses.
No cais alvoroça-se enorme multidão, em que predomina o elemento feminino.
Já os braços se elevam em primeiros cumprimentos aos familiares, enquanto o iate se aproxima na costumeira meia volta.

Agora distinguem-se bem.
Com o acenar frenético do mar e da terra assomam as primeiras lágrimas.
O pranto chega, mesmo, a irromper abundantemente, dominador, nesta hora de verdade. Chora-se de alegria, de comoção.
Entretanto de bordo, ainda mesmo antes de o “Espírito Santo” atracar, um dos “bravos” aconselha calma para alguém que, em terra, é luz, razão do seu viver. E junta o gesto à palavra, dentes fincados, lágrimas escondidas no mais recôndito da alma.
Mas foi no cais nos prolongados, intermináveis abraços e beijos, no prodigalizar de carícias nos rostos feminis ou nas tisnadas faces dos heróis que se exteriorizou, se extravasou como, em incontida torrente, toda a expansão do sentimento, o acumular de saudades...
23 valentes da Terra Faialense regressavam de Angola. Dois grandes anos se haviam “vivido” no norte.
E ali, no cais, eram os seus familiares e amigos quem lhes estava a pagar o tributo da sua abnegação, do seu heroísmo...

(texto extraído do jornal do Faial , da época, “O Telégrafo”, relatando o regresso àquela Ilha do pessoal da nossa Companhia, em 27 de Abril de 1972. A foto foi cedida pelo António Manuel).
DO “ALFERES” ESTÁCIO

DE MAFRA À CCAÇ 2677

No dia 09 de Janeiro de 1969 assentei praça na Escola Prática de Infantaria (EPI), em Mafra. Eram 16H05 quando, na companhia de mais dois mancebos atravessei a Porta das Palmeiras. A partir desse momento, passei a integrar o seio da grande família a que os ingleses designam por P.B.I. ou seja: “Poor Boys of Infantary”[1].
Durante o período da recruta (Jan./Mar.) pertenci à 3ª Companhia, tendo como instrutor o, então, Tenente Gastão Silva e como comandante o, à data, Capitão Rodrigo Moreira de Campos. Terminada esta fase instrutória, entrámos noutra bem mais a sério que foi a da especialidade. E porque cunha não havia fui parar a atirador de Infantaria.
Assim, mantendo o instrutor mas com um novo Comandante de Companhia (o, então, Capitão António Martins Dias) tirei, nos três meses sequentes, a especialidade de atirador. Como, porém, tivesse tido uma baixa classificação final não fui colocado em nenhuma unidade do continente, mas sim no, então, Batalhão de Infantaria Independente 17 (B.I.I. 17), nos Açores, cidade de Angra do Heroísmo.
Aí dei uma recruta ao pessoal do contingente geral. De seguida, integrado na Companhia de Caçadores (C.Caç.) 2677, dei, de Set. a Nov. de 1969, a especialidade de atirador.
Em virtude da localização do B.I.I.17, a Companhia em que fui colocado era, na sua maioria, constituída por açorianos e escolheu para divisa: “Esforço e Vitória”.
Em finais de 1969 viemos para o Continente tendo começado por ficar aquartelado em Santa Margarida, no Campo de Instrução Militar (C.I.M.). Depois fomos para Tomar, ficando, inicialmente repartidos pelo quartel velho e pelo Regimento de Infantaria (R.I.) 15, tendo, mais tarde ficado todos neste último. Mas eis que, no início de 1970, voltámos a “andar com a casa às costas” e, assim, regressámos a Santa Margarida. Em cada uma das unidades ― RI15 e CIM ― tivemos que fazer um Instrução de Aperfeiçoamento Operacional (I.A.O.).
Desse período recordo e considero justo realçar, a par das boas instalações de Tomar, o excelente nível de alimentação da messe de oficiais de Santa Margarida.
Finalmente, em 26 de Março de 1970, embarcámos no navio "Pátria" rumo a Angola e, a 5 de Abril, chegámos a Luanda debaixo dum aguaceiro tendo sido logo transferidos, directamente, do cais para o Campo Militar do Grafanil.
Chovia copiosamente e, passada a noite, protegidos por uns telheiros, arrancámos de manhã rumo a Malange ― cidade planáltica que conhecia relativamente bem, por aí ter passado certo período do estágio de fim de curso, efectuado no Instituto de Algodão de Angola (I.A.A.). Ficámos na cidade a noite desse dia 6, e, na manhã seguinte, partimos para sudoeste, mais propriamente para o Luquembo onde o grosso da Companhia ficaria sedeada mas com um pelotão (o 4º) destacado em Sautar. Juntar-nos-íamos passados 6 meses e aí permaneceríamos por cerca dum ano.
Com apenas um mês de permanência em Sautar, fomos flagelados ao início da noite de 26 de Set. Não houve baixas, nem feridos e mesmo os danos materiais foram diminutos. Porém, o ataque constituiu uma experiência marcante e não faltou quem tivesse gasto todas as munições que lhe estavam distribuídas...
Com 18 meses de comissão, fomos, em Ago. – Set. de 1971, transferidos para o norte de Angola, para a região do Uíge e para a povoação de Bessa Monteiro.
Após uma permanência de cerca de 7 meses, viemos para Luanda e, passados dias, a 25 Abr. 1972 regressamos ao Continente. De realçar que a viagem já não foi feita de barco como na ida, mas num dos três aviões Boeing, dos Transportes Aéreos Militares (TAM), da Força Aérea, então, utilizados no transporte de efectivos de rendição militar do e para o Ultramar.
Foram quase 40 meses, 25 dos quais em Angola. Como em tudo, houve momentos bons e outros, que considero, menos felizes.
Os primeiros recordam-se com satisfação. Quanto aos segundos, porque geraram sofrimento, é natural que o não faça, pois, sempre se me afigurou oportuno ter presente que “para as feridas sararem, o melhor será não lhes tocar”...

[1] Quanto julgo saber, os americanos utilizam a mesma sigla para dizer “Poor Bloody Infantary.
DE GUARDA-CHUVA...

Para mim, nascido e em grande parte criado na Guiné, o facto de ter sido colocado no B.I.I.17, em Angra, permitiu-me conhecer uma nova realidade de Portugal. A cidade era pacata, interessante e, ainda que pudesse perceber o motivo, a hospitalidade era, até certo modo, reservada.
Chegámos em plena época das tradicionais corridas de touros que, para surpresa minha, não eram feitas em praça apropriadas, antes constituindo largadas.
Como pormenores distintivos refira-se que os toureiros não eram profissionais mas amadores, melhor dizendo, espontâneos, que, quase sempre, participavam bem bebidos e ávidos de, por razões várias e, sobretudo, amorosas, testemunhar a sua coragem. Para tourear, também não havia capas nem capotes! Toureava-se de guarda-chuva, sendo os touros conduzidos pelas ruas, largos ou praça principal, com a ajuda duma longa e grossa corda. Interessados em fotografar ou filmar as touradas, de quando em vez, havia uns parceiros que eram apanhados pois, julgando que o animal ainda estava longe, levavam cada toque e davam cá uma palhaça que acredito lhes passava o gosto de se assumirem como realizadores tauromáquicos.
A comida era muito saborosa e, não obstante o passar dos anos, ainda recordo pratos típicos como, por exemplo, a famosa sopa do “Divino Espírito Santo”, a não menos conhecida “Alcatra” e a chamada “Massa Sovada”. Apesar de haver vinho de elevada graduação, algum de nomeada como o da Serreta ou o dos Biscoitos, do que mais gostava era da Angelica. No meu quarto, tive sempre uma garrafita e, ao deitar, bebia sempre um cálice para a sossega.
A BASE

A uns 25 quilómetros da cidade de Angra do Heroísmo fica a Freguesia das Lajes onde está instalada a Base Aérea nº4.
Uma parte dessa infra-estrutura era ocupada pela Força Aérea Portuguesa (FAP) e a outra, pela Americana. Nesta, como ponto de interesse, havia três cinemas, em que, por sinal, os filmes não eram censurados, bem como havia o famoso “Base Exchange”, mais conhecido na gíria por B.X. (Bi Exe), onde, a preços convidativos, se podia adquirir quase tudo. O câmbio do dólar americano rondava os 28 escudos! Bons tempos ...
Na FAP tinha um amigo dos tempos da Guiné, o qual, com frequência, me vinha buscar ao fim da manhã de Sábado e trazer só no Domingo à noite. Eram uns fins-de-semana diferentes dos habituais, com petiscadas e animados convívios que me permitiram conhecer quase todas as povoações da Ilha Terceira. Na Base, o preço do litro da gasolina não chegava a um escudo e os carros americanos eram dominantes. A atestar a fartura, esse meu amigo tinha dois Buick, que eram umas verdadeiras banheiras. Em qualquer lado se viam Ford Mustang, então muito em voga. Nunca mais encontrei tantos. Do que menos apreciava era a generalizada arrogância dos americanos que, confesso, me revoltava. A bem dizer, era um Estado dentro de outro...
DUAS SITUAÇÕES

No primeiro I.A.O. ― realizado no Inverno, na região de Tomar e nos arredores da Barragem de Castelo de Bode ― houve duas situações que passo a referir.
Numa esteve envolvido um camarada, do 2º pelotão, que, certo dia de manhã cedo, quando, a coberto da densa neblina que havia, participava numa progressão em linha, caiu dentro dum poço de rega, sem guarda e com a boca à face do solo! Por sorte não se partiu todo e para além do grande susto que apanhou, o coitado aguentou um bom bocado, enregelado e com a roupa molhada a secar no corpo.
Noutra situação teve como figura central o “Canmaradagem”, assim chamado pela dificuldade em pronunciar, correctamente, a palavra camaradagem, de que tanto ouvira falar na instrução. Era do meu pelotão e, por não se mostrar muito lesto, foi seleccionado para integrar um pequeno grupo que, a dado passo, teve a oportunidade de andar de helicóptero. Como por cada pelotão, apenas, poderiam participar uns seis elementos, entendi que deveriam ser privilegiados os “nabos”, pois, em princípio, os afoitos saber-se-iam sempre desenvencilhar. Assim foi.
Pausadamente, o piloto explicou de que constaria o exercício e como deveríamos proceder. O objectivo seria criar uma situação, de recolha e largada, idêntica àquela com que poderíamos ser confrontados ― como, aliás, fomos ― no Ultramar.
Terminada a explicação e uma vez que não havia dúvidas, o piloto subiu, rodopiou com o aparelho, deslocou-se na horizontal, oscilou, etc., e, depois de nos ter chocalhado bem lá em cima, regressou à zona onde embarcáramos. Quando estávamos a iniciar a descida, aí a uns 30 metros de altura acima do solo, o piloto disse:
― Portas.
E, como fora acordado, quem estava dos lados de fora dos dois bancos do heli, limitou-se a empurrar as duas portas, que correram nas respectivas calhas.
O nosso “Canmaradagem”, assim que ouviu a ordem do piloto, disse logo:
― Eh meu Aspirante! Eu não salto, eu não salto!
Sorri-lhe e aconselhei calma, pois ninguém saltaria de tão alto.
Aos poucos fomos perdendo altura e só quando estávamos a 1,5 ou a 2 metros de altura é que, aos pares e para lados opostos, saltámos em simultâneo.
Como era previsível, o exercício correu lindamente e os que neles participaram ganharam uma boa dose de confiança que só a prática proporciona.

A SANTA


A religiosidade açoriana é proverbial. Portanto, não surpreendeu que o pessoal, assim que chegou ao continente, não se tivesse acalmado enquanto não conseguiu arranjar uma imagem religiosa, que nos protegesse. Cotizaram-se e um belo dia arranjou-se uma viatura (Berliet) e um grupo do qual fizeram parte, entre outros, o Furriel Agnelo Cunha Mendes, o condutor da C.Caç. 2676 José Gabriel Reis e o 1º cabo João Nogueira Ponceano, arrancou rumo a Fátima, com o firme propósito de obter a tão desejada santa. Depois de apreçarem algumas imagens, decidiram-se por uma de Nossa Senhora de Fátima que foi benzida no Santuário. Radiantes, voltaram à unidade, sendo que durante uns dias o tema das conversas foi, como diziam, “a santinha”.
E, sem males de maior, lá fomos andando na graça da Santa.
Devidamente acondicionada numa caixa de madeira, a Santa fez a viagem no navio “Pátria”, no camarote onde ia o Capitão, para que nada lhe acontecesse. Chegados a Angola e ao Luquembo levantou-se a questão de onde pôr a imagem, porquanto havia que lhe dispensar um local digno. 
Como o quartel não dispusesse de nenhum, nem fosse fácil adaptar ou construir algum, deu-se a feliz coincidência de poder deixar a dita imagem na igreja da povoação, no que houve a absoluta concordância dos dois padres holandeses que, há largos anos, ali prestavam serviço. A transferência da imagem do quartel ― onde com panos de tenda se improvisou um altar ― para a igreja, situada no outro extremo da povoação, foi motivo de procissão, muito participada e missa solene, acompanhada por guarda de honra e terno de corneteiros, e presidida pelo Bispo de Malange.
Quando mudámos para Sautar a imagem da Nª Senhora de Fátima, ficou no Luquembo dado não haver naquela povoação um local condigno para a colocar.

Quando fomos transferidos para Bessa Monteiro a imagem voltou a ser acondicionada numa caixa por forma a suportar a viagem, por estrada, até Bessa. Lá chegada foi colocada na capela local, onde acabou por ficar, com o acordo do pessoal, dada a dificuldade em a transportar para a Metrópole, uma vez que o regresso passara a ser feito nos Transportes Aéreos Militares (TAM).
CAPELA EM BESSA MONTEIRO


INTERIOR DA CAPELA EM BESSA MONTEIRO

O FURRIEL MIRANDA JUNTO À IMAGEM NA CAPELA, EM BESSA MONTEIRO

FOTO DA IMAGEM DA Nª SRª DE FÁTIMA,
PUBLICADA NO FACEBOOK PELO MANUEL AGONIA RODRIGUES,
EX-1º CABO DA CCAÇ 3437 DO BATALHÃO 3855
QUE ESTEVE EM BESSA MONTEIRO ENTRE 1972-73

  
QUE CACHAÇÃO!...

Os referidos padres holandeses, eram irmãos. O mais ativo, de seu nome João, mantinha uma vida intensa, deslocando-se, por todo o lado, com entusiasmo. A nível da Companhia mantínhamos, com ele, regulares contactos. Por outro lado, o irmão, Mário, por ter sido vítima dum tipo especial de paludismo, evidenciava um envelhecimento precoce. Era, pois, uma pessoa bastante reservada.
A transferência da Santa do quartel para a igreja do Luquembo ocorreu num sábado. Foi um dia muito festivo. No quartel, houve rancho melhorado e, ainda que com certa moderação, reforço de bebida.
Dum modo geral, o “povo” apinocou-se e ― salvo o pessoal que estava escalado para assegurar o serviço de rotina e que vestiu o seu camuflado ― optou pela chamada farda número dois. A população civil compareceu em grande número e mostrou-se animada. Estou em crer que, também, deve ter vivido um dia festivo.
Seja como for, nestas alturas há, sempre, alguém que fica com “um grãozinho na asa”. Foi o que deve ter acontecido ao catequista que, por norma, acolitava à missa aos Domingos, no Luquembo.
Em passo lento e cadenciado, saiu a procissão do quartel. De vez em quando, mudavam os elementos que transportavam o andor. Os fiéis seguiam logo atrás e à frente lá ia o Sr. Bispo de Malange que levava, do seu lado direito o padre João e, do lado esquerdo, o dito catequista.
Ora, de vez em quando, este ziguezaviava e ia contra o ilustre prelado. Como sua iminência era, justamente, cego da vista esquerda, admitia que, por não ver, lhe cabia a culpa dos sucessivos encontrões. Penitenciando-se do sucedido, virava-se para o pobre catequista a apresentava-lhe os respetivos pedidos de desculpa! Este, ordeiro como sempre, agradecia a atenção do Sr. Bispo.
Sucedeu que, a páginas tantas, o bom do padre João, começou a desconfiar de tantas desculpas e, profundo conhecedor das fraquezas etílicas do catequista, passou a dedicar-lhe uma especial atenção.
Estava certo e não tardou a aperceber-se que, em vez de os dar, era o Sr. Bispo quem estava a apanhar encontrões! Ao confirmar a sua suspeita, o padre João pôs-se de atalaia e, na vez seguinte, não se conteve. Deixou o Bispo avançar uns dois passos e, em plena procissão, foi-se ao catequista e pregou-lhe um cachação enorme, dispensando-o, logo ali, de continuar a participar no serviço religioso. Apercebendo-se que algo de anormal se passara, o Bispo ainda quis saber do que se tratava mas, danado, o padre tranquilizou-o ao dizer que o homenzito se sentira mal e que fora para casa. 
Como se pode ver, foi uma cerimónia tão bem vivida e comida, para quantos a acompanharam, em cujas caras se podiam ver bem espelhados os saborosos sumos da "Cuca" ou da outra cerveja a "Nocal".
Foi uma data memorável, que, por muitos e muitos tempos, constitui uma recordação para sempre.




DISPERSÃO

Pernoitou o Sr. Bispo nas instalações da Missão do Luquembo e na manhã seguinte celebrou missa dominical. A igreja estava à pinha e a presença duma secção, devidamente armada, acompanhada por um corneteiro e comandada, salvo erro, pelo furriel Alceu Rodrigues, conferia-lhe invulgar dignidade.
Ora, quase no fim da missa, por ocasião da elevação, quando o Furriel mandou tocar o cornetim, o “povo” assustou-se e a nível da garotada gerou-se o pandemónio, pois, a miudagem, assim que o toque ecoou no interior do templo, desatou a correr espavorida, o que, como se compreende, contribuiu para a perda da solenidade daquele particular momento litúrgico.
DIVERSIDADE

A nível da CCaç 2677, várias particularidades poderão ser destacadas como, por exemplo, o facto de os Alferes serem de diferentes origens. Assim, o Pacheco era dos Açores, o Marote da Madeira, o Fortes de Portugal continental e eu da Guiné.
Durante meses não tivemos médico e mesmo os que lá foram colocados, à excepção do Maia Gonçalves, permaneceram relativamente pouco tempo. De referir que, para acentuar a diversidade de locais de nascimento, o último médico que nos enviaram, o Babino Lopes, era natural de Goa!
Era essa diversidade que me levava a ponderar na nossa tricontinentalidade e até, como costumava dizer, a admitir que a Companhia era das “Nações Unidas”.
RUDE GOLPE

Composta por malta fixe que, na sua maioria, até era disciplinada e folgazã, nunca faltaram na CCaç 2677 especialistas em confeccionar uma boas petiscadas, nem dedicados instrumentistas que, no final do repasto, se não dispusessem a acompanhar uma cantoria, onde, a par das modinhas açorianas, não podiam faltar fados, fossem eles de Coimbra ou de Lisboa.
Aliás, motivado pelos exímios executantes e com o intuito de aprender a tocar, foi que adquiri, por 400 angolares, uma viola a um elemento da CArt. que rendemos no Luquembo.
Nesse sentido, pedi ao 1º Cabo Manuel Quaresma, moço sempre pronto para acompanhar uma cantoria, que me desse umas lições nas instalações da messe de oficiais. Sucedeu que, após três ou quatro sessões, dois camaradas da messe, indiferentes à dureza auditiva que sentia e à rigidez das articulações das falanginhas que manifestava, se apressaram a solicitar-me que, “a bem da harmonia e tranquilidade reinantes”, cessassem as lições naquelas instalações.
Enfim, ainda que desgostoso e contrafeito — por não ver, no seu lento despertar, acarinhados os meus adormecidos dotes musicais — acedi.
Foi o primeiro rude golpe que sofri.
LETRAS VERMELHAS

No dia 10 de Junho de 1970 participei no tradicional almoço anual de Regentes Agrícolas, em que os residentes na Região de Malange se resolveram reunir na Pousada das Quedas do Duque de Bragança. Durante a refeição tive o grato privilégio de contemplar aquela beleza da Natureza que era a extensa massa de água formando uma autêntica cortina que, cá em baixo e contra a rocha, se desprendia com fragor. Como aquele tipo de confraternizações eram sempre muito bem avinhadas, senti-me, no final do repasto, um tanto ou quanto zonzo pelo que por entre umas espessas e inebriantes nuvens etílicas, resolvi ir dormitar para o pequeno quarto que tinha alugado na Pensão Rex, em Malange.
Aí pelas sete da tarde dois colegas foram-me desencaminhar para irmos à matiné dançante que havia no Clube Ferroviário. Chegados lá inquiri quanto custava a entrada, tendo sido informado por um dos dois rapazes que estavam encarregues da bilheteira:
- Sócios e militares 20$00. Não sócios 40$00.
Como na altura estivesse a cumprir o serviço militar entreguei 20$00, ao que um dos moços me pediu que apresentasse o cartão de identificação militar, pois não me conhecia e eu trajava à civil. Assim fiz, de imediato, e depois de um deles ter examinado demoradamente o cartão e comprovado pela fotografia que o mesmo me pertencia, disse-me que teria que pagar mais, pois era Sargento. Admirado com tão repentina despromoção de Oficial a Sargento apenas deixei escapar:
- Quem eu?...
E prosseguiu o rapazote:
- Sim o boné é de Sargento.
O colega do moço que me tinha colocado a questão, fez-lhe ver que ele se enganara e chamou-o à atenção:
- Não. São só 20$00. Não vês que, letras vermelhas, é Cabo.
Ainda fiquei mais deprimido, pela despromoção agravada, mas antes que pudesse responder, já me tinham recolhido os vinte escudinhos e mandado entrar, sob o olhar impaciente das pessoas que, entretanto, tinham vindo a engrossar a bicha.
Lá fui para o baile todo divertido e com uma forte vontade de me rir. É que eu era Oficial e, como tal, na fotografia do cartão de identificação militar aparecia com um boné, relativamente, parecido com o dos Sargentos. Porém, o que as tais letras vermelhas diziam e, a que o segundo moço aludira era nada mais nada menos, “Oficial do Exército”. A confusão do garoto foi tamanha que nem leu o que estava escrito no cartão e associaram a cor da expressão à das divisas dos Cabos, que como se sabe, são, efectivamente, vermelhas.
TOURADA

Em plena quadra carnavalesca e com o intuito de animar o “povo”, em Fevereiro de 71 e em Sautar, resolvi adquirir uma bezerra a qual, à boa maneira açoriana e como sucede na Ilha Terceira, deveria ser corrida à corda uma única vez.
Porém, antes da data marcada, um grupo de soldados veio ter comigo e pediu para deixar correr o animal, a fim de poderem aquilatar da braveza do animal. De boa fé anui, mal sabendo o que daí resultaria. Bem, a satisfação proporcionada foi tal que o desgraçado do garraio se viu forçado , nada mais, nada menos, a quatro corridas! Pobre animal. Ninguém o deixava em paz.
Se é certo que, até certa medida, se reviveu a tradição, manda a verdade que se diga que, também, tive enorme dificuldade em vender o animal para o rancho, já que o vague mestre Fadigas alegava que, com tantas corridas, tinham “derretido a gordura ao animal” e que, como tal, a carne estava seca! Bem seco fiquei eu que, muito a custo, tive que ceder. Confesso que o prejuízo financeiro me levou a terminar, logo ali, o que, quem sabe, poderia ter sido o início duma brilhante carreira empresarial na área da tauromaquia…
SENTIDO de JUSTIÇA

Sem dúvida que os quiocos tinham um sistema de justiça bem diferente do nosso e que, no mínimo, era surpreendente. A atestar o que digo, atente-se neste pequeno conto. Um dia, já noite cerrada, pouco antes do jantar, aí por volta das 19H00, apareceu-me na messe de oficiais do aquartelamento velho de Sautar o Manuel, homem dos seus cinquenta e bons anos que integrava o reduzido efectivo do Grupo Especial (GE) que, como pisteiros e, sobretudo como guias, prestavam um bom serviço. Como eu estivesse de Oficial de Dia, pediu para falar comigo e informou-me que havia uma situação de conflito, vulgo “maca”, entre uma das suas mulheres e determinado comerciante local. Após curta reflexão, fiz-lhe ver que — dado o adiantado da hora e a questão envolver, também, civis teria que ser apreciada conjuntamente pela autoridade administrativa ou seja o Chefe de Posto — o melhor seria aguardar pelo novo dia para a resolver. Um tanto contrafeito, despediu-se e retirou-se para a palhota em que vivia na sanzala. Atendendo a que o comandante de Companhia se encontrava de férias, dei, ainda nessa noite, conhecimento ao seu adjunto, o Alf. Mil.º José Manuel de Oliveira Pacheco, o qual, para o efeito, se reuniu com o Chefe de Posto no dia seguinte de manhã. Assim, fazendo ambos de juízes, ouviram e ponderaram na queixa verbal apresentada pelo G.E. Manuel, na presença da mulher e do acusado comerciante. Dada a extensa “folha de serviço” deste último, o Chefe de Posto foi logo avançando que da próxima queixa idêntica em que o mulherengo estivesse envolvido, lhe encerraria a loja por um mês e na seguinte o proibiria de comerciar na área da sua jurisdição. Mas o importante era julgar o caso presente e uma vez que o comerciante não negava a acusação, que por sinal, até era corroborada pela violada mulher, acordou-se que o montante da indemnização a pagar ao Manuel seria de 500 angolares. Não tendo havido resistência por parte do comerciante, que cabisbaixo se retirou a fim de ir buscar o montante correspondente à multa. Entenderam os juízes que a sessão estava encerrada e que, portanto, o queixoso e a mulher se poderiam, também, retirar. Mas, eis senão quando, o bom do Manuel, muito respeitosamente, pediu para usar da palavra, dizendo: — “Desculpa nosso alfero e nosso chefe. Mas falta ainda castigar o mulher.” Atónitos, os juízes entreolharam-se e pediram-lhe que fosse mais explícito. Ao que ele se não fez rogado e com firmeza explanou, no seu melhor português, a seguinte teoria: — Uma vez que o comerciante era useiro e vezeiro em assumir tal procedimento. Sendo essa postura do conhecimento dos residentes, nomeadamente da sua mulher, tinha a mesma que ser castigada, pois devia ter ido a outra loja e não entrar na do violador. Tentaram os juízes fazer-lhe ver que ela era a vítima, mas, como se costuma dizer, o velho G. E. “estava noutro comprimento de onda” e contra argumentou dizendo: — Ele tem que apanhar castigo para não entrar mais naquela loja. E, também, para servir de exemplo às mulheres da sanzala que não devem voltar a ir àquela loja. Confusos com o que ouviram, quiseram os juízes, já agora, saber qual seria a pena a propor pelo Manuel ao que este, com redobrado alento, respondeu: — Ele tem que levar cinquenta palmatórias nos mãos. E numa postura de respeito para com as tradições do indigenato, foi a pena aplicada. À noite, quando o Alferes Pacheco me contou o sucedido, interroguei-me se, efectivamente, o G.E. Manuel estaria ou não certo em defender um sistema de justiça diferente do nosso, em que, em meu modesto entender, o conhecimento, por parte da mulher, da postura habitual do comerciante funcionaria a favor deste como atenuante. Bem, ainda hoje me sinto indeciso em condenar este apurado sentido de justiça.
FASTIOS

O período sequente à flagelação sofrida em 26.09.70 implicou uma intensificação da actividade militar que, para além do serviço normal no aquartelamento, se tra-duziu em escoltas e patrulhas, fossem estas a pé ou em viatura. Foi um ano de sobrecarga em que o consumo de largas dezenas de rações de combate aumentou e de que maneira.
Embora os nefastos efeitos desse tipo de alimentação só se fizessem sentir anos mais tarde, houve logo quem, após alguns meses, apresentasse tamanho fastio que o levava a rejeitar determinados géneros enlatados. No meu caso, enjoei o atum, a tal ponto que, durante anos, deixei de o poder comer e, de bom grado, passei a trocar as ditas latas de conserva pelas de sardinhas e/ou cavalas.
REFLEXOS CONDICIONADOS

Como em qualquer unidade militar que se preze, nunca nos locais onde estivemos aquartelados, faltaram cães que, todos lampeiros, no final das refeições e no que se considera um complexo condicionado, se aproximavam da cozinha na certeza duns restos de apurada comida.
Outro reflexo condicionado, com efeitos bem evidentes, ocorria sempre ao fim da tarde, aquando do arrear da bandeira, o qual era acompanhado a toque de corneta. Por essa ocasião, os cães acompanhavam o corneteiro, convergindo para junto do mastro onde a bandeira drapejava. Mal ele levava a corneta à boca, os canitos, incomodados pelos infra-sons, deitavam a uivar até à nota final. Que espectáculo! Por mais esforço que fizéssemos difícil era conter-se o riso...
NEGOCIATA ...

E muito embora os animais não tivessem dono, o certo é que todos os estimavam, não faltando, mesmo, quem, com eles, mantivesse uma estreita relação. Como tal, houve um “jeitoso” que se lembrou de engendrar um esquema que consistia em, numa patrulha auto, levar um cão para, numa das sanzalas do percurso, ser trocado por um leitão ou galinhas!
Bem, de regresso, as peças de criação sempre proporcionariam delicioso petisco.
E tudo ficaria por aqui, não fosse o facto de passados três ou quatro dias o cão ― naturalmente cheio de fome e com saudade das delicias do quartel ― não tivesse fugido ao novo dono e, pelos seus próprios meios, regressado ao quartel de Sautar.
Incentivado pela fidelidade e capacidade de orientação canina, entendeu por bem o dito soldado repetir a cena por mais algumas vezes e, estou certo, que nada demoveria o parceiro a mudar de atitude se não tivesse sido chamado à atenção de forma a evitar-se a presença no quartel dos novos e queixosos donos temporários dos canitos...
PINTAINHOS?!...

Eh homem... Mas que mente brava tinha aquele camarada!
Lembro-me bem que certo dia, ao fim da tarde, vi entrar na parada do velho quar-tel de Sautar as viaturas Unimog que haviam trazido de patrulha o seu pelotão.
Estacionados em meia-lua, deles foi descendo o pessoal e, eis senão quando, vejo o dito cujo apear-se, trazendo consigo o tubo do morteiro 60 milímetros. Já em terra, o “artista”, inverte o referido tubo, pondo-o de boca para baixo. Mais surpreendido fiquei por, de dentro da peça, ver sair uma boa dúzia de pintainhos amarelos que, atarantados se espalharam pela parada!
Viemos a saber que as pobres avezinhas eram fruto da mais recente permuta que o incansável Cardoso havia feito por outro cachorro.
Como é óbvio, logo ali levou um “bode” de todo o tamanho mas não estou convicto da eficiência da admoestação, admitindo que, como soe dizer-se, deve ter sido “sol de pouca dura” pois creio que só por pouco tempo ela teria tido o condão de o impedir a prosseguir com as trocas.
AOS ANANASES

Em Sautar deparei com uns lorpas que, de quando em vez, caíam numa treta semelhante à bem conhecida (mas, seguramente, não tanto ...) caça aos gambozinos!
No caso vertente, a figura central eram uns virtuais e deliciosos ananases que davam si-nais evidentes de estarem em avançada fase de maturação, numas árvores de grande porte existentes na povoação!
Por norma, os preliminares desenvolviam-se nas imediações da cantina, onde paravam sempre uns vivaços à espera que qualquer incauto aparecesse. Uma vez filado o infeliz, um dos finórios desafiava os do grupo a irem apanhar uns ananases que, uns dias antes, até vira, por sinal, numa frondosa árvore, a caminho do posto da polícia ou de outro local qualquer. Conversa puxa conversa, espicaçavam o interesse do patarata que queriam praxar e que, aos poucos, iam motivando. Para o levarem a aderir, subestimavam-no dizendo, por exemplo, que não seria capaz subir a uma árvore tão alta como à dos ananases, mesmo que com o indispensável recurso a uma grande escada de madeira — das que, por norma, se usam na caiação exterior das casas — que permitisse chegar aos frutos.
Não querendo dar os mais ténues sinais de cobardia, o desgraçado enchia-se de brio e, de peito feito, desafiava, resoluto, os demais quanto à capacidade de lá ir. Confirmada a sua inequívoca vontade em participar, passava-se à fase seguinte que consistia em procurar não só a dita escada como, ainda, uma lanterna de pilhas, peça fundamental para, na escuridão nocturna, melhor os guiar na aproximação à fruta.
Concluídos os preparativos, lá partiam todos de escada ao ombro, mas distribuídos em posição estratégica. O gozado era sempre colocado a meio da longa escada e, como os camaradas se limitavam a equilibrar a peça, alombava com a maior quota-parte do peso. Era interessante ver, à noite, uns cinco marmanjos a andar na povoação com uma escada aos ombros! Via-se logo ao que iam...
Bem, não era preciso muito para que o desgraçado se começasse a queixar de tão pesado “equipamento” e a propor que o trocassem para o outro ombro. Para lhe darem corda, os demais acediam e passados minutos voltavam-se a ouvir as queixas. Aquilo era um pagode pegado, pois, após três ou quatro tentativas, os parceiros, que se diziam conhecedores da fruta e, até do local, respectiva árvore mostravam-se indecisos! Rua cima, rua abaixo, vira para a direita, agora para a esquerda, etc., lá iam os pândegos a gozar um desgraçado, até que vencidos, não pelo cansaço mas sobretudo pela vontade de rir, regressavam ao quartel, o que faziam lamentando o insucesso da noitada.
SAUDADE

Tratando-se duma Companhia composta na sua maioria por pessoal oriundo e cria-do nos Açores, é compreensível que durante os 25 meses de comissão militar, passada em locais afastados da costa, a omnipresente saudade do mar — que tanto amargurava os ilhéus, outrora habituados a vê-lo no dia a dia — se fizesse sentir. Aliás, ainda recordo o que um dia ouvi dizer ao Rosa do 2º pelotão:
— Eh home, tanta terra, tanta terra! Qu‘ olha qu‘ até aquelas árvores, lá longe, me parecem que estou a ver mar!... Home, quando será que a gente torna a ver mar?
A CANTORIA

Não obstante certos períodos de desânimo que, por motivos vários, considero terem sido normais, o “povo” não deixava de, embora o painel de instrumentos não fosse variado. se animar. Uma ou duas violas, um pandeiro, uma gaita-de-beiços ou realejo e uma concertina ou harmónio era quanto bastava para, em questão de minutos, se juntar um bom grupo e começar a cantoria. Para além da música tradicional açoriana, como a Chamarrita e as “Velhas”, havia, quase sempre espaço para um fadinho, fosse ele de Lisboa ou de Coimbra.
Ao fim de mais de trinta e quatro anos é natural que muitos nomes já se tenham esbatido mas, ainda recordo o Quaresma, o Santos (Cripto), o Rosa, etc., que, mesmo cansados, contribuíam para proporcionar agradáveis momentos de animação.
S.P.M.

O conflito entre o Exército Português e os movimentos independentistas, de Angola, Guiné e Moçambique, ficou conhecido por “Guerra do Ultramar”. De forma a responder a essa situação inopinada, que se estendeu por uns 13 anos, foram criados ou activados organismos, de que, aqui e agora, destaco o Serviço Postal Militar, vulgo S.P.M., o qual ― ao assegurar a troca de correspondência com o pessoal que integrava as forças aquarteladas nas ex-Colónias ― desenvolveu um importante serviço.

O uso das cartas e o correspondente pagamento de selos, foi substituído pelos chamados aerogramas ― a cargo do Movimento Nacional Feminino — a que, dada a capacidade de chegar ao mais recôndito aquartelamento, fosse lá onde fosse, o “povo” designava por “bate estrada”.
Por uma questão de segurança, independentemente do local onde estivesse aquartelada, a cada Companhia foi atribuído um código numérico, composto por quatro algarismos, sendo que o último destes era o indicativo da “província” ultramarina. Assim, à Guiné correspondia o 4, a Moçambique o 6, a Angola o 8, etc., etc..
Como é óbvio, este sistema codificado não se aplicava às povoações de Portugal continental e insular, nem no estrangeiro.
Como na secretaria da C.Caç 2677 houvesse, por vezes, um maior volume de trabalho, recorria-se a um ou outro parceiro que fosse minimamente expedito para o desempenho da simples função de agrupar a correspondência, de acordo com o destino. Ora um belo dia em que, à falta de melhor, não havia mais ninguém disponível, foi para lá mandado o bom do “Camem”, soldado assim alcunhado pela manifesta dificuldade em dizer o nome da povoação de Cameme, situada na volta do Songo. Industriado, pelo 1º cabo escriturário Tomás, como deveria proceder, dividiu, em pequenos lotes, os diversos aerogramas a expedir. Às tantas o trabalho encravou e hesitante, o “Camem” virou-se para quem de direito e, muito admirado, perguntou na sua simplicidade:
— Oh Tomás! Coimbra não tem S.P.M. ? ...
DEDICAÇÃO

Durante a comissão de serviço militar, que teve lugar em Angola, de 26 de de Março de 1970 a 25 de Abril de 1972, diversos foram os médicos que estiveram ligados à nossa Companhia que, como era independente, era como que “enteada” dos três Batalhões a que esteve em reforço. Não foi nada, não foi nada, ao todo foram sete médicos! Dum modo geral, com todos mantive boa relação e ainda hoje recordo o bom trabalho desenvolvido por alguns deles, sobretudo a nível da acção psicológica junto da população local, assim como a sensação de segurança que a sua presença nos transmitia. Na verdade, nos seus períodos de licença ou ausência, ainda que curta, o certo é que o “povo” até se sentia mais atreito a doenças. O primeiro foi o Dr. António Manuel Bacelar Fernandes Antunes, que estando sedeado em Nova Gaia, nos visitava mensalmente no Luquembo. Era, como se poderia dizer um “médico não residente”. Depois passaram a ser todos residentes e, pela ordem cronológica, passo a apresenta-los: Em Sautar – Rui Manuel Dias Monteiro dos Santos, Varão Nolasco Dias e António de Sousa Maia Gonçalves. Em Bessa Monteiro – Luís Alvim Serra e José André Avelino Babino Lopes. Este último por meia dúzia de dias, porquanto, pouco antes do Natal de 1971, foi evacuado por ter fracturado o pulso, na sequência da sua abnegada participação numa animada partida de futebol de salão. Sem demérito para com os demais, houve um que pela sua postura e tempo de permanência na Companhia me marcou bastante mais. Refiro-me ao Dr. Maia Gonçalves figura central destas linhas e em que, a par da sua dedicação profissional se realça um aspecto do comportamento social dos quiocos. “Quase todas as noites, depois de às 22H00 se desligar o gerador que abastecia a povoação, ficávamos os dois a falar durante horas, no quarto dele, anexo ao Posto Médico. Para tal nos muníamos dum candeeiro Petromax o qual, por vezes, se extinguia antes de terminarmos a cavaqueira. Sucedeu que numa dessas noitadas de boa cavaqueira, aí por volta das duas da manhã, ouvimos um ladrar intenso e, de seguida, o barulho provocado pela queda duma bicicleta, o que, obviamente, nos deixou um tanto ou quanto alvoroçados. Saindo para a rua, deparamos com um elemento das forças de segurança locais, vulgarmente designados por milícias, oriundo da sanzala do Canhuege que, quanto percebemos, solicitava apoio médico. Na impossibilidade de nos conseguirmos entender com o nativo, fomos obrigados a recorrer ao enfermeiro do Posto Médico, o Sr. Malheiro, que rapidamente esclareceu que uma mulher da referida sanzala tivera um parto difícil e não consegui expulsar a placenta. Avaliada a situação, o médico e o enfermeiro propuseram-se, de imediato, ir em auxílio da mulherzinha e eu fui providenciar a disponibilização de meios auto, tendo optado por cravar o Land-Rover do Posto Administrativo, ao Chefe de Posto Fernando Santos. Em pouco menos de um quarto de hora estávamos de rota batida, indo eu ao volante, acompanhado, na cabine, pelo médico e o enfermeiro. Quanto ao “milícia”, seguia na caixa bem agarradinho à carro-çaria e com a bicicleta deitada. Com a nossa determinação em acudir a quem precisava, nem por sombra nos passou pela cabeça estarmos em vias duma bem urdida cilada, susceptível de ocorrer numa guerra de guerrilhas, como a que se vivia em Angola. Em constante ziguear, lá fomos, de buraco em buraco, avançando pela estrada de terra batida, melhor dizendo, picada, de permeio com o conselho do médico, apostado, no que hoje se designaria, numa condução cuidadosa. Tinham passado uns quarenta mi-nutos quando se avistaram umas pequenas fogueiras, tendo, pouco depois deparado com um grupo de pessoas paradas frente a uma palhota. Era ali. De dentro da cubata vinha um cheiro intenso e desagradável. Sem perda de tempo, o médico mandou retirar todas as “parteiras e respectivas adjuntas”, trazer água fervida e o maior número de candeeiros a petróleo que, assim, garantisse uma iluminação mini-mamente capaz. Assim que lhe ouvi fazer este último pedido, estacionei a viatura o mais à frente da porta da habitação, liguei o motor, acendi as luzes e coloquei os faróis nos máximos. Cá fora os residentes acompanhavam silenciosos e com ansiedade o resultado da intervenção médica. Solicito, o chefe da sanzala ou soba disponibilizou-me uma cadeira e ofereceu-me tabaco que, grato, declinei. Passaram-se minutos que me pareceram horas e, de repente, de dentro da cubata saem o médico e o enfermeiro. Com as mangas arre-gaçadas e as camisas encharcadas em suor, foram saudados com uma estrondosa salva de palmas, forma singela de manifestar o apreço por aqueles dois profissionais da área da saúde. Foi um momento particularmente tocante e todos se acotovelavam para os cumprimentar. Na verdade, apesar de terem passado mais de 35 anos, o afastamento temporal não diminuiu a intensa sensação que senti. Feitas as últimas recomendações médicas, retomámos a marcha rumo a Sautar e, por considerarmos que o assunto tivera um desfecho agradável, dispostos a percorrermos a picada sem pressas de maior. Porém, conhecedor dos hábitos e costumes da tribo quioca, o enfermeiro Malheiro frisou que a situação não estava terminada pois que, segundo a tradição, o facto de o parto não ter sido normal era sinal evidente que a mulher tivera, durante o período da gravidez, relações com um outro homem e que como tal, teria que indicar quem fora o parceiro, o qual, forçosamente, teria que indemnizar o marido pelo ultraje.
Nem queríamos acreditar! Então podia lá ser?... O Dr. Maia Gonçalves retorquiu: — Mas isso é um absurdo! O que aconteceu não pode advir do facto de a mulher ter tido relações extra conjugais durante a gravidez. Mostrando compreender e aceitar a observação feita, o Sr. Malheiros fez-nos notar que: — Isso é verdade, mas eles, nestes casos, consideram que o motivo se deve a ter havido relações durante a gravidez. Relações essas que foram mantidas com alguém que não o marido e como tal há que encontrar o culpado que terá que pagar como que uma multa, em bens ou em dinheiro. Só assim será redimida a honra do marido. Em silêncio fomos pensando no insólito da situação, imaginando a pressão social exercida sobre a parturiente para que denunciasse com quem teria andado, a pobre mulher a ter que acusar um inocente que, não obstante ter circulado por longe, não podia deixar de indemnizar o marido. Estranhos usos e costumes...

SETE “À PATA” ...

Para além das chamadas intervenções de zona (em Sautar), de 12 a 19 de Julho de 1971 dois pelotões da Companhia participaram numa operação conjunta que nos levaria ao Leste, mais concretamente, às nascentes do Rio Luando, onde se suspeitava da presença do IN.
Se bem me lembro, começámos a operação de viatura até à povoação do Luando, onde estava sediada a Companhia de Caçadores 202 e daqui até ao Cuemba, onde existia uma mini hidro-eléctrica e uma estação do caminho de ferro, pernoitando nas instalações de outra Companhia. Aqui, apanhamos a linha do Luso do Caminho de Ferro de Benguela até uma povoação cujo nome não recordo, viajando, que nem gado, em vagões abertos em que as fagulhas soltas e arrastadas pelo vento nos esburacavam os camuflados e, de quando em vez, nos abrasavam a pele!
Por fim fomos recolhidos e lançados de helicóptero, o que, se para muitos constituiu baptismo de ar, para outros o não foi, uma vez que já tinham andado de helicóptero aquando do I. A. O., realizado em Tomar.
Tratou-se da Operação “Amêndoa amarga” que, prevista para durar, apenas três dias, se estendeu por mais do dobro, ou seja sete diazitos sempre “à pata”, em que, no penúltimo dia, me foi providencial um precioso pote de mel encontrado numa antiga lavra... Neste dia fomos reabastecidos com mais uma ração de combate, via helicópetro, que iamos perdendo dado que o piloto não nos via e nós não conseguiamos dar-lhe as indicações certas da nossa posição pois era uma extensa zona de areal sem referências e as cartas daquela zona eram muito antigas. Por fim lá veio a paparoca enlatada.
A CAÇADA

Em Angola, muito embora fosse proibido caçar, o certo é que havia quem o fizesse com alguma regularidade. Pela minha parte e ainda que nunca tenha apreciado a prática venatória, quer diurna e muito menos nocturna, a verdade é que, por mais duma vez perdi a noite a acompanhar caçadas realizadas na região de Sautar, mais precisamente na chamada Volta do Songo.
A figura central era um comerciante, oriundo da Beira Alta, há muito radicado em Angola, com residência e loja mesmo em frente à esquadra da P.S.P. de Sautar. O dito dava pelo nome de Arlindo e entre os vários atributos que o caracterizavam, havia dois que merecem ser realçados: um, era o ser muito asneirento e, o outro, beber, desalmadamente, cerveja. Independentemente do êxito da pontaria, à sua conta conseguia beber uma grade, cerca de 20 garrafas, por noite.
De quando em vez lá aparecia no quartel a desafiar-nos. Voluntários não faltavam e dum momento para o outro estavam reunidos 10 ou 12 voluntários que distribuídos por dois Unimog lá partiam pelas 22H00 e com regresso previsível por volta das 05 da manhã.
Com um holofote instalado na viatura dianteira, batia-se a mata à busca duma peça, cujo brilho dos olhos se destacasse no meio da vegetação. Dada a experiência que possuía, o comerciante conseguia, quase sempre, determinar, pelo brilho dos olhos, qual a espécie de animal em vias de ser abatido. Por ter uma boa arma e a distância entre a peça e a viatura não ir além 30 ou 40 metros, era, quase sempre, mortal cada tiro que o Sr. Arlindo dava. Acto contínuo, rejubilava e, com o seu vozeirão rouco, propunha que se bebesse para comemorar. E lá ia uma rodada de cerveja, retiradas duma celha com gelo em barras ou já partido envolto em sacos de serapilheira. Se, porém, calhava falhar ou, como cheguei a presenciar, a almeja peça grossa não passava dum pássaro em cima dum morro da baga-baga ou salalé, então o comerciante bebia para, como dizia, "lubrificar" a pontaria!
E lá se ia, com o tempo a passar, apanhando uma gazela, um soco, uma pacaça, etc., que, sendo macho, era logo despojado dos órgãos genitais, de modo a não adulterar o sabor da carne.
Por volta das 03H00 batíamos à porta do Sr. Carlos da povoação do Cameme que, tendo ouvido ao longe o barulho das viaturas, se levantara e mandara preparar uma grande cafeteira com café. Dez ou quinze minutos de pausa e toca a andar que o quartel ainda ficava longe.
De entre os camaradas alguns havia, como, por exemplo, o Urbelo destacado no Depósito de Genéros, que, mesmo de G3, se mostravam bons caçadores. Nunca por nunca atirei. Participei algumas vezes com o intuito de assegurar protecção e defesa no caso de alguma situação anormal que, por sinal e ainda bem, nunca ocorreu.
De regresso a Sautar era a caça dividida, ficando a Companhia com a parte de leão. Esta, depois de retirada a pele, era esquartejada e acondicionada numa arca frigorífica, naquele tempo a petróleo, onde permanecia até ser consumida pelo rancho. Uma pequena parte dava para uma petiscada em que participavam os caçadores e, não raras vezes, os acompanhantes.
MADRINHAS DE GUERRA

À data, era vulgar os militares terem, durante o período de comissão no Ultramar, uma correspondente com quem mantinham maior contacto e que, eufemisticamente, era designada por “madrinha de guerra”. Com frequência, as ditas passaram a namoradas, não raras vezes, a noivas e daí a esposas era um pulinho.
A bem dizer, todos tinham (pelo menos uma) “madrinha” e quem a não tivesse, apreciaria tê-la.
Ora, se, apesar de serem da mesma ilha, muitos só se haviam conhecido quando assentaram praça, essa possibilidade diminuía ou era quase nula em se tratando de ilhas diferentes. Atentos a esta realidade, havia na Companhia uns gozões que se compraziam a pôr uns pobres coitados, oriundos doutras ilhas, a corresponderem-se com velhotas do seu lugar!
Animados e convictos de poderem vir a encontrar, quiçá, uma companheira para toda a vida, toca a escrever para essas vetustas anciãs ou, o que era ainda mais grave, em sendo analfabetos, confiarem, por mais íntimos que fossem, os seus sentimentos a esses pândegos.
Passadas semanas era vê-los tristonhos depois de terem recebido uma carta que começaram por considerar ser promissora e em que as ditas senhoras ou alguém da família vinha, indignada, reprovar tal ousadia ou desrespeito.
Se alguns se quedavam por ali, sofrendo sós a penalizante dor da repreensão recebida, outros houve que, agastados, procuravam o diligente conselheiro que lhes facultara o contacto. Estes, não raras vezes, se desculpavam dizendo que, o mais certo, fora terem cometido algum involuntário erro no endereço da destinatária.
VALIOSO CONTRIBUTO

Outra situação frequente tinha por base o facto de, praticamente, não haver nenhum soldado que não tivesse familiares a residirem nos Estados Unidos ou no Canadá os quais, de quando em vez, iam “pingando” com uns dólares.
Sabendo disto e com o intuito de poder dispor de dinheiro para qualqeru extravagância, houve quem arquitectasse uma golpada que consistia em mandar dizer a esses familiares que, quando em patrulha, havia perdido uma arma!
Na verdade, mesmo os corações mais empedernidos eram sensíveis a tamanha“desgraça” e, como tal, raramente deixavam de acudir, tanto mais que se o não fizes votavam ao abandono pobres familiares que, lá longe, "nas`´Africas", ficaria impedido de passar à disponibilidade, a menos que pagasse uma arma nova!
Deste modo, num quadro pintado a cores tão negras, não só apelavam a uma contribuição garantindo jamais esquecer tão magnânimo gesto e prometendo, mesmo, que, logo que lhes fosse possível, os reembolsariam em suaves prestações!
Bem, aí em 90% dos casos a peta pegava, pois, a “massa” chegava a um ritmo tal, que estou em crer, que a nossa Companhia terá sido das que mais “perdas de armas” sofreu, em operações no Ultramar.
O FADO DA COMPANHIA

Não obstante a pequena flagelação sofrida em Sautar, dos três locais onde estivemos aquartelados, o mais temido, em termos dum eventual confronto com a guerrilha, foi, sem dúvida, Bessa Monteiro. Na zona actuava um antigo Cipaio (guarda do Posto Administrativo) de seu nome Pedro que era um exímio dançarino. Notado por essa capacidade artística, ganhou a alcunha de "Afamado". Tratava-se, pois, do “Pedro Afamado” que, ao que constava, era, também um temido guerrilheiro.
No Natal de 71, em Bessa Monteiro, compus o poema que se segue. Adaptei-o à música de um fado e "baptizei-o" de Fado da Companhia.

Fado da Companhia

Mês a mês se arrasta o tempo
E a malta em sofrimento
Vê a comissão passar,
Com a esperanças acalentada
E jamais abandonada
Que um dia há-de acabar.

Para azar a Metrópole chegou,
Onde a malta aguentou
Três meses sem embarcar,
Mas, por fim, chegou o dia
Em que a nossa Companhia
Viu o tempo a contar.

De Luanda, houve o cheiro
Nesse dia aguaceiro
Mas tivemos que abalar,
E antes de Bessa Monteiro
Luquembo veio primeiro
E depois veio Sautar.

Tenho uma cunha metida
E uma fé incontida
Qu' isto está mesmo a acabar,
Pois respeitando a velhice
O"Pedro Afamado" disse
Que podemos regressar.
ESTRANHAS DENOMIMAÇÕES

Já no final da comissão e, por motivos administrativos, tendo-se deslocado a Luanda o Comandante da Companhia, calhou ao Alferes mais antigo elaborar e enviar para a sede do Batalhão, a que estávamos dados em reforço, a calendarização das patrulhas semanais para o mês de Abril de 1972.
Fê-lo sem dificuldade de maior e entendeu deniminá-las de “Lucro 1, 2, 3 e 4”.
Dias depois, fomos, certa manhã, surpreendidos pelo motor duma avioneta cuja proveniência e motivo desconhecíamos. Como era habitual neste tipo de situações, a fim de garantir a segurança da aeronave, de pronto, o pessoal que estava de piquete arrancou para a pista, . Da aeronave saiu o Major encarregue de coordenar as operações a nível do Batalhão, o qual, entre outras coisas, vinha saber da razão de tão estranho nome dado às patrulhas calendarizadas. De imediato foi elucidado pelo autor que, com toda a educação o informou que uma vez que as mesmas teriam lugar em momento que ultrapassava o prazo normal da comissão, considerara que já estaríamos a trabalhar com lucro!
O nosso Major mandou-se ao ar e obrigou à alteração das denominações o que sem dificuldade de maior foi, prontamente, acatado.

BESSA MONTEIRO

O último local onde prestámos serviço foi em Bessa Monteiro, já no norte de Angola, e não consegui encontrar a razão daquele nome. Durante largos anos nunca consegui encontrar a razão que levou a povoação a ter tido um nome tão digno ou alguém que conhecesse o motivo. era estranho que tivesse surgido um nome tão pouco usual e que nunca chegássemos a conhecer-lhe a origem.
O tempo rodou, passaram-se vários anos, até que um dia numa excursão de alunos que frequentavam a Universidade da Terceira Idade de Sintra, realizada ao norte de Portugal, descobri durante as horas nocturnas em que calcorreava pelas ruas de Vila Real, que se tratava duma homenagem ao então falecido Tenente Manuel Maria Bessa Monteiro, que, em 1910, fora ferido por uma seta envenenada na Guerra da Pacificação de Angola.
"Assim, uma das artérias do centro urbano de Vila Real, a Rua do Carmo, recebeu-lhe o seu nome, após petição da Câmara Municipal de Vila Real ao Bispo ali residente. 
                  

O Tenente Manuel Maria de Bessa Monteiro nasceu em 1 de Junho de 1869 na freguesia de S. Pedro pertencente a Vila Real. Era filho de António de Bessa Monteiro e de Mariana Teixeira de Azevedo. Em 1905, como Oficial do Regimento de Infantaria nº 13, partiu para Angola, onde prestou serviço militar até 1907. Porém, em 1909, voltou àquela ex-colónia onde, em 12 de Agosto de 1910, morreria gloriosamente à frente de uma pequena coluna de soldados e graduados que ele comandava e que com outras colunas, se dirigira ao Ambrizete, a fim de dominar uma revolta dos nativos.
Foi durante esta operação que a sua coluna se viu atacada de surpresa, em Quinzau, por um grupo de nativos emboscados no mato e que logo se pôs em fuga. Mas, o Tenente Bessa Monteiro, à frente dos seus soldados, seria mortalmente atingido. 
O seu corpo foi sepultado no Posto que tão brilhantemente havia reconquistado e a que foi dado o seu nome."

E assim ficou mais um nome a perpetuar nas terras de Angola, até 1975, uma vez que após a independência reassumiu o nome de Kindege.


DO “FURRIEL” RESENDE

AÍ VEM ELA !!!

É o grito que, por momentos, ecoa no quartel ao mesmo tempo que se começa a ouvir lá longe, o ruído do motor, o qual, aos nossos ouvidos, soa como uma música suave, maravilhosa.
Sim! É “ELA”, a avioneta que traz o correio. Durante algum tempo, Sautar corre de um lado para o outro. Ouve-se o roncar dos “burros de mato” em direcção à pista e, pouco depois, eis que chega “o saco”.
Há aglomeração junto ao quartel velho; o momento é de expectativa. Ninguém quer “LERPAR” com o correio. Há até um certo nervosismo mal disfarçado.
Enfim, chega o grande momento e o correio é distribuído.
... Depois SAUTAR fica silenciosa, cada qual escolhe um sitio sossegado onde possa ler sofregamente, as notícias daqueles que são queridos.
A chama da saudade aviva-se. E há pensamentos distantes. Recordações que parecem imensamente longínquas ...
Há sorrisos bailando nos lábios, por esta ou aquela frase mais agradável.
Durante alguns minutos sentimo-nos embevecidos por uma certa solidão. Creio ser válido este sentimento de nos sentirmos sós. Mas logo tudo regressa à normalidade.
Os dias passam e todos se embrenham nas lides do dia a dia do quartel até que, de novo, o grito ecoe pelos ares:

“AÍ VEM ELA”!!! “AÍ VEM ELA”!!!

E com “ELA” a avioneta que traz o correio renasce a esperança e a alegria de receber uma carta.

“AÍ VEM ELA”

(texto produzido pelo António Resende e colocado no Jornal de Parede da Companhia, aliás responsabilidade que lhe fora confiada).
DE ANÓNIMO DA NOSSA COMPANHIA

ACÇÃO DO EXÉRCITO NO ULTRAMAR PORTUGUÊS

"Dar tiros e matar o inimigo, não é a única acção do Exército, como muitos julgam. Mais do que isso, pois dar tiros é secundário, e na maior parte das vezes é raro fazê-lo, mas mais do que isso, dizia, é a promoção social, económica e religiosa dentro de um espírito de fraternidade, promovida pelo pessoal. E porque as imagens dizem mais do que as palavras, observem as fotografias do pessoal da CCaç 2677 em Angola.
Seguem 4 fotografias, que dada a má qualidade não é possível publicar:
- Saída para uma patrulha em Sautar
- Assistência sanitária e visita a uma sanzala, em Sautar
- Construção do paiol no nosso quartel no Luquembo
- Uma caçada para o rancho, em Sautar
(artigo publicado no Jornal da Unidade "O Castelo" nº 74 do BII 17, em Angra do Heroísmo, de 1 de Novembro de 1971, pág 5)








DE HELDER VAGOS LOURENÇO

SERVIÇO POSTAL MILITAR

O MOVIMENTO NACIONAL FEMININO (MNF) CONSTITUÍDO EM 1961, TEVE, ENTRE VÁRIAS OBJETIVOS DE ASSISTÊNCIA AOS MILITARES E FAMÍLIAS, O DE FACILITAR A TROCA DE CORRESPONDÊNCIA ENTRE ESTES. COMEÇOU POR CONSEGUIR A ISENÇÃO DE PORTES DE CORREIO. DEPOIS CRIOU UM SUBSCRITO DESDOBRÁVEL, ONDE SE ESCREVIAM AS NOTÍCIAS OU MENSAGENS QUE DEPOIS DE DOBRADO ERA COMO SE DE UMA CARTA SE TRATASSE, CONTINUANDO ISENTO DOS PORTES DE CORREIO, QUER PARA MILITARES QUER PARA OS SEUS FAMILIARES.

POR QUESTÕES DE SEGURANÇA, NÃO ERA ESCRITO O LOCAL ONDE O MILITAR SE ENCONTRAVA A PRESTAR SERVIÇO, SENDO ESTE DESIGNADO POR UM NÚMERO, QUE NO CASO DA NOSSA COMPANHIA ERA O SPM 1276.

COM O AVOLUMAR DO CONFLITO MILITAR HOUVE NECESSIDADE DE CONSTITUIR UM SERVIÇO POSTAL MILITAR, TENDO SIDO NECESSÁRIO RECORRER AO RECRUTAMENTO DE PESSOAL DOS CTT.



O AEROGRAMA OU BATE-ESTRADAS, COMO TAMBÉM ERA CONHECIDO, QUE TANTAS NOTÍCIAS TROUXE A QUEM OS RECEBIA ERA UM MEIO DE COMUNICAÇÃO ESCRITO, EM QUE NUMA PÁGINA SE ESCREVIAM AS MENSAGENS/NOTÍCIAS QUE SE QUERIAM ENVIAR. DEPOIS DOBRAVA-SE O AEROGRAMA E A MENSAGEM FICAVA NO INTERIOR, SENDO O SEU FORMATO EXTERIOR SEMELHANTE A UM SUBSCRITO. 

VER A SUA HISTÓRIA NO SITE:

CONSULTAR O LIVRO "HISTÓRIA DO SERVIÇO POSTAL MILITAR" DE  Eduardo e Luís Barreiros  
DE HELDER VAGOS LOURENÇO

RAÇÃO DE COMBATE

PARA AS PATRULHAS, QUE NAS ZONAS ONDE ESTIVEMOS DURAVAM ALGUNS DIAS, A ALIMENTAÇÃO ERA À BASE DA RAÇÃO DE COMBATE. HAVIA RAÇÕES DE COMBATE INDIVIDUAIS E COLECTIVAS (JULGO QUE PARA 5), NESTA RECORDO-ME DE TER UMA LATA DE FEIJÃO COM CHOURIÇO E UMA LATA DE FRUTA EM CALDA MARCA XXL DA ÁFRICA DO SUL, QUE ERA EXCELENTE ALÉM DE OUTROS ARTIGOS. HAVIA VÁRIAS EMENTAS. LEMBRO-ME DAS BISNAGAS DE MANTEIGA PARA O PEQUENO ALMOÇO, MAS QUE NÓS MUITAS VEZES UTILIZÁVAMOS DENTRO DAS LATAS DA SARDINHA APÓS TER DEITADO FORA O AZEITE, COLOCANDO-AS AO LUME PARECENDO SARDINHAS ASSADAS. O QUEIJO ERA FORNECIDO AOS TRIÂNGULOS. COMO NÃO SE PODIA LEVAR PÃO PARA MUITOS DIAS SENÃO SECAVA, TÍNHAMOS AS BOLACHAS "PEQUENO ALMOÇO" QUE ERAM UM HORROR POIS QUANDO SE BEBIA ÁGUA, O ESTÔMAGO COMEÇAVA A INCHAR PARECENDO REBENTAR. AS RAÇÕES VINHAM EM CAIXAS DE CARTÃO QUE ERAM  DESMANCHADAS NO AQUARTELAMENTO ANTES DA PATRULHA SE INICIAR PARA LEVAR SÓ O QUE SE QUISESSE FAZENDO TROCAS COM OS OUTROS, NA CONDIÇÃO DE TUDO TER CABER NOS SACOS DE BAGAGEM JUNTAMENTE COM CAPAS E OUTROS UTENSÍLIOS. 

COMPOSIÇÃO DA UMA EMENTA DA RAÇÃO DE COMBATE

INTERIOR DE DUAS CAIXAS DE RAÇÃO DE COMBATE


FILME DE FOTOS REALIZADO PELO SANTOS "CRIPTO"







COLABORAÇÃO
Há sem dúvida outras histórias e passagens curiosas que nos aconteceram na vida militar e outros aspectos considerados interessantes a reter como, por exemplo, as expressões bem açorianas:
—“ah homem, se queres falar comigo, está calado!”;
— “uma coisa como é dada” ou, ainda;
— “eh tal fiôco!”. -

que com a vossa ajuda podem ficar aqui expressas, antes que a nossa memória as deixe de lembrar.
Não deixem de prestar a vossa valiosa colaboração 

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